quinta-feira, novembro 22, 2012

Devolvam o trabalho às agências de marketing, senão é nisto que dá

O que leva uma agência de marketing, aliás, uma agência de activação de marca, a lançar uma campanha intitulada “Devolvam a bicicleta ao Chinês”? O que à primeira vista parece ser uma iniciativa carregada de sentimentos altruístas, esconde uma verdade menos santa.

Fui levado pela curiosidade a espreitar a página criada no Facebook, com o mesmo nome da campanha, para perceber quem era o tal chinês, porque é que ele era importante e porque queriam devolver-lhe a bicicleta. Maior foi a minha curiosidade pelo facto de ouvir falar desta campanha através de pessoas que pouco ou nada estão ligadas ao meio das bicicletas, pessoas tão insuspeitas que o próprio conhecimento desta campanha levantava, sozinho, algumas suspeitas sobre as reais motivações da mesma. Já se sabe que as bicicletas estão na moda, mas deverá isso servir como justificação para tudo?

A tal página do Facebook revelou-me logo que nada disto existiria, campanha e fins altruístas, se o ciclista Eric Feng não fosse de nacionalidade chinesa. Eric Feng, nome que não revela tão facilmente o país de origem como outros substantivos chineses, percorreu 18 mil quilómetros de bicicleta entre o seu país e Portugal, com o objectivo de celebrar a memória de dois exploradores marítimos da história de cada um destes países e promover as energias não poluentes. À passagem por Sines roubaram-lhe o veículo, mas quem empreende uma aventura destas sabe, ou devia sabê-lo, que essa é uma possibilidade presente ao longo de todo o caminho. No entanto, talvez por maior desleixe ou relaxe associados à ideia de que estamos quase a chegar ao destino final, o que para uma mente cansada depois de tanto tempo passado entre destinos é um forte convite a “baixar a guarda” de vigilância constante, este incidente ocorreu só depois de Eric cumprir uma das metas a que se propôs – chegar à terra-natal de Vasco da Gama – e a insignificantes quilómetros do fim.

A campanha foi lançada no dia em que saiu a primeira notícia sobre a aventura de Feng na imprensa portuguesa, que foi também o dia em que o ciclista regressou de avião ao seu país. A página do Facebook está pejada de referências “ao chinês” e notas satíricas de erros fonéticos, a troca dos erres pelos eles, e trocadilhos com palavras chinesas que em português adquirem outro significado. Percebe-se assim que existe um argumento oculto poderoso por detrás da campanha, capaz de activar reacções no senso comum. A tal agência de activação de marca, responsável pela acção, estava com isto a activar motivos de cariz xenófobo que associamos à “marca” chinês. É um duro golpe de marketing, extremamente eficaz mas tremendamente errado na sua génese. Se o ciclista fosse, digamos, iraniano, não iria soar tão poderoso porque há menos referências culturais e as que temos poderiam levantar alguns problemas. “O chinês” tem uma inocência benévola acoplada, talvez fruto de mais anos de convivência com esse “outro” que, não obstante, serve para alimentar discursos de identidade cultural muitas vezes focados no binómio superior-inferior.

A história de Feng continuou com o apoio de um grupo de cicloturistas de Almada, que lhe deram guarida, emprestaram uma bicicleta e acompanharam-no até ao destino final – o Cabo da Roca. A solidariedade ciclista e a vontade de pedalar juntos nada têm que ver com a campanha que a tal agência criou, com o objectivo de enviar uma nova bicicleta e todo o tipo de folclore português para mostrar a Feng que somos, enquanto povo, uns gajos porreiros e não uma bandidagem organizada. A verdade é que se roubam bicicletas em todo o mundo, se este país fosse excepção é porque haveria algo de muito errado, ou muito certo, com as pessoas que o habitam.

De resto, quando a campanha conseguir devolver uma bicicleta a Feng, a probabilidade de que ela tenha saído inicialmente de uma fábrica na China, atracado num porto português e devolvida ao seu país de origem, é enorme. A bicicleta terá feito duas viagens iguais à de Feng com custos ambientais consideravelmente maiores, algo que o ciclista quis evitar na sua travessia.

6 comentários:

Ladrão de Bicicletas disse...

Epa... Foste tu que lhe roubaste a bicicleta e estás com azia?

Isso é como pensar que o Bill Gates é interesseiro quando dá METADE da sua fortuna à sua instituição de caridade... "ah, isso á para fugir aos impostos!".

Cambada de burros.

Enfim... o que vale é que Sobral de Monte Agraço já tem um parque infantil.

Anónimo disse...

Acho que para ir de A a B foi dar a volta ao alfabeto todo... Escreve bem, mas o conteúdo da tua prosa é pura e únicamente uma crítica sem fundamento... Meu caro nem tudo é uma teoria da conspiração e penso que se a campanha fosse "devolvam a bicicleta ao americano" seria idêntica. Este tipo de agência aproveita acontecimentos do nosso quotidiano para mostrar criatividade e ganhar notoriedade com isso. Não tem nada de mal, é só mais um meio dos tantos que têm ao seu dispor hoje em dia. Da mesma forma que o meu caro inventa esta teoria para conseguir mais leitores para o seu blog.

Cumprimentos e pense que enquanto estas empresas sabem como utilizar estes novos meios, o seu texto que tem o mesmo objectivo (notoriedade) cai no ridículo.

Clarim disse...

Acho que só agora estão a dar valor ás empresas de marketing,uma das provas é as ofertas de emprego e os salários mais bem pagos são as da área do Marketing.

Anónimo disse...

O ataque dos Marketers.lol
Achei um optimo artigo..

Zuruspa disse...

Näo lhe roubaram a bicicleta assim se mais nem menos...
... roubaram-lhe a bicicleta de *dentro da garagem trancada* do albergue!
E depois o dono ainda o injuriou!

Anónimo disse...

E de repente... surgiram as Federações, jornais, oficinas, blogs, bicicletas , cafés, consultores de mobilidade urbana e a cidade ficou um exemplo Europeu, basta ver pelas ciclovias que existem na cidade de Lisboa.
Desenvolveram a "Pseudo cultura da bicicleta" que infelizmente só tem atraído massas para um abismo a pedal e agora vêm para aqui criticar quem faz uma campanha de ajuda a quem usa a Bicicleta.
Faz mais de 10 anos que se fala em andar de bicicleta em Lisboa e olhem o resultado.
OPORTUNISMO e gente interessada em usar a bicicleta para proveito próprio, para comunidades e para amigos com um jogo de politica de interesse.
Estes grupos andam tão ocupados nos seus interesses mesquinhos que nunca vão entender a importância de saber receber e apoiar aqueles que visitam Portugal em Bicicleta e quem usa bicicleta para o bem estar e para o desporto.