sábado, setembro 20, 2008

África Minha


É sempre um momento especial quando a lista de blogues relacionados com o Bicicleta na Cidade cresce, mais ainda quando se adiciona um país que ainda não estava representado, quanto mais um continente!

O Hugo Jorge iniciou há um mês o The Mozambique Bike Culture Blog e tem publicado fotos e artigos com dados interessantes sobre o uso quotidiano da bicicleta em Moçambique. Escreve em inglês para chegar a um universo maior de leitores, nomeadamente aos vizinhos da África do Sul (embora isto seja dedução minha e não do Hugo) e restantes english speakers around the globe.

Os discursos que se produzem em países desenvolvidos sobre a promoção do uso da bicicleta estão invariavelmente relacionados com a temática do desenvolvimento e do progresso, ainda que alguns não o façam de forma explícita. Nestes países, onde se inclui Portugal, associa-se a bicicleta a uma era pós-automóvel, a um recuperar do espaço público pré-automóvel (agora renovado e modernizado) e a valores ambientais e de saúde como forma de combater doenças associadas ao desenvolvimento, seja a obesidade, problemas respiratórios, entre outras que compõem uma vasta lista.

Estes discursos não são interpretados nem acolhidos com o mesmo sentimento de compreensão em todo o mundo. Ao contrário do que é apregoado por alguns críticos da globalização homogeneizante, todo o produto cultural é alvo de uma filtragem, apropriação e reinterpretação de significado(s) durante a sua viagem do país de origem até ao país de destino. Como tal, a sensibilidade para acolher um determinado tema varia de país para país, entre regiões, cidades e locais diferentes, dependendo de factores como a experiência quotidiana da comunidade, o seu imaginário comum, a religião (ou ausência desta) e a memória colectiva.

Por tudo isto é diferente falar de bicicletas em Portugal e Moçambique, na Índia ou na China. Sobre este último país, hoje escreve-se que o seu estrondoso crescimento económico tem contribuído para um aumento do número de automóveis a circular e a consequente diminuição do número de bicicletas. Um processo idêntico ocorreu por toda a Europa, em momentos diferentes e a velocidades distintas de país para país, sendo que no caso português foi sobretudo durante as décadas de 1980 e 1990 que se assistiu ao boom do automóvel privado e à marginalização do uso quotidiano da bicicleta. Tudo isto ocorreu em nome do progresso e do desenvolvimento, como eram vistos então por governantes e cidadãos.

Para nós europeus, esta associação desenvolvimento=uso privado do automóvel e vice-versa já não faz muito sentido nos dias que correm, especialmente depois de termos experimentando na pele os seus efeitos negativos, ou estarmos ainda a passar por eles (caso português). No entanto, não se pode exigir a quem nunca tenha vivido esta realidade que compreenda a "sensibilidade ambiental europeia" ou outras sensibilidades europeias que tais. A pergunta que deve ser feita é: como desmitificar a ilusão criada ao longo do século XX de que usar o carro é sinónimo de desenvolvimento e a bicicleta não? Desiludam-se os iluminados, pois esta pergunta deve ser formulada em todo o mundo, desenvolvido ou não. O que poderá ser diferente são as respostas a dar-lhe em cada país, região ou cidade. É de esperar, aliás, que assim seja.

No caso de Moçambique, um possível contributo de resposta poderá ser a leitura do livro "Há Mais Bicicletas - mas há Desenvolvimento?" que o Hugo apresenta neste blogue dizendo que se trata de uma visão crítica sobre o desenvolvimento desse país fazendo ainda a ligação ao papel que as bicicletas têm tido nesse processo. O livro foi lançado recentemente e teve cobertura mediática. Como não conheço o seu conteúdo, limito-me a referir a sua existência.


1 comentário:

RH disse...

Ando desatento. Ainda não tinha reparado neste teu post e no destaque. Kanimambo!(Obrigado em changana).

Sugiro que vejas o Diário de Notícias de hoje. Tiveste destaque.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS
HOJE, 22 DE SETEMBRO 2008
http://dn.sapo.pt/2008/09/22/sociedade/lisboa_e_capitais_mais_poluicao.html

Excerto:

"Andar de bicicleta

A segurança, as condições meteorológicas e topográficas são geralmente os principais obstáculos invocados para não utilizar a bicicleta no dia-a-dia. Argumentos que têm sido desmontados por várias experiências nas cidades portuguesas, como mostra o blogue "100 dias de bicicleta em Lisboa" (100diasdebicicletaemlisboa.blogspot.com). Paulo Guerra dos Santos percorreu a capital em duas rodas para a sua tese de mestrado sobre a "Contribuição do modo bici na gestão da mobilidade urbana" e concluiu que "Lisboa é uma cidade ciclável, para uma grande parte da população que nela vive, estuda e trabalha." Para superar as dificuldades pode contar com a ajuda de blogues como "A bicicleta é um meio de transporte e eu "Vou de Bicicleta" para todo o lado" (voudebicicleta.eu) e "Bicicleta na cidade" (bicicletanacidade.blogspot.com), apenas dois dos muitos em que se partilha informação útil para quem pretende utilizar a bicicleta como meio de transporte. Quanto à segurança, pressione as autoridades locais para melhorarem as infra-estruturas para o trânsito de bicicletas, aconselha a organização."