segunda-feira, junho 23, 2008

Europa Entrevista a Pedais

A rádio mais jazzística de Lisboa e arredores sintonizou a frequência do Bicicleta na Cidade! Afora esta metáfora oportuna, a Rádio Europa vai transmitir na próxima quarta-feira uma entrevista com este indivíduo que aqui escreve.
A jornalista Mónica Peixoto, que edita o programa Europa Entrevista, convidou-me para 40 minutos de conversa em que se falou de bicicletas e pouco mais, embora as conversas sobre bicicletas acabem sempre por ir parar a outro lado qualquer, é uma espécie de metáfora ou desculpa para falar de outras coisas, ou um elemento estético que dá brilho a tudo o resto.

Tomem nota, o programa será transmitido na quarta-feira dia 25 de Junho às 19h05 e repetirá a dose no sábado dia 28 de Junho às 18h05. Em Lisboa sintonizem a frequência 90.4fm, no resto do mundo podem ouvir em directo aqui.


4 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom mesmo, gostei de ouvir!

Eduardo disse...

Também gostei. E gostaria de deixar algumas sugestões de alguém com algum curriculum de pés em cima de todo o tipo de pedais - de bicicleta (desde os 4 anos) de mota (desde os 9) de carro (desde os 11).
Ando em Lisboa (agora pouco - mudei-me p'ra Évora) desde 1976 de bicicleta e de mota.
A generalidade das afirmações do Ricardo são úteis e acertadas, com excepção das que se referem à circulação e às atitudes de segurança do ciclista na cidade ou fora dela (pior). É no mínimo ingenuidade e no máximo (caso de estar convencido disso) disparate aconselhar o ciclista a circular pelo meio da via em qualquer circunstância. Isso faz sentido e ainda assim limitado, nos poucos países civilizados da Europa (eu faço isso quando ando de bicicleta em Paris ou Amsterdão e fico sempre espantado ao ver passar por mim, no maior engarrafamento uma mãezinha francesa com a sua criança na bicicleta no centro de Paris onde aliás circulo no meio da estrada de patins, de trotineta e de bicicleta). Mas estamos em Portugal...
Um antropólogo deve saber, mesmo que ninguém tenha ainda contado à prevenção rodoviária, que o espaço público rodoviário é ao mesmo tempo um lugar de extensão do ego e de todos os seus traumas e um lugar de jogo, entretenimento, descompressão, compensação, etc. E isto torna-o perigosíssimo no espaço de relações de força que a bicicleta representa frente ao carro. Podia fazer 3 teses sobre isto.
O 1º e melhor conselho que se pode dar a um ciclista ou a um motociclista, é que parta sempre do princípio de que é invisível.

Por isto, deve tornar-se sempre o mais visível possível até ao exagero.

Sempre que posso utilizo um braço lateral de plástico com reflector -lado esquerdo-(obrigatório nos países nordicos) que me dá + 50cm de espaço e visibilidade.
Aconselhar a andar no meio da via em Lisboa ou outra cidade Portugues ainda hoje é o mesmo que aconselhar o humilde habitante do Farwest americano do sec. XIX a não ter receio de andar desarmado desde que o mostre.... Quem duvidar disto, fale com os profissionais do ciclismo que morrem na estrada quando andam a treinar...
E depois - o Ricardo falou disto mas pouco - o conhecimento ao pormenor da circulação, isto é, o planear ao pormenor o modo mais defendido de circular pelas vias que é preciso percorrer - agora com o google earth é + fácil, mas nada como a "acute awareness" do local com carros. E depois a poluição...É que o meu carro tem um filtro de ar com um metro e trinta de superfície para filtrar o ar que lhe entre para o motor...eu tenho uns pelitos no nariz, quando não os corto....

As culturas base são razoavelmente estáveis, quer dizer que custam a mudar. Não sei se ainda serei vivo para ver as estradas portuguesas circuláveis de bicicleta (já foram. Nos anos 40-50 do sec.XX o pai dos Braumann correu Portugal de bicicleta pelas estradas nacionais de pasteleira...)

Os primeiros a serem sensibilizados devem ser os governos... temos um suposto corredor/fumador como 1º... não estou a ver alternativas. E enquanto esta cultura base se mantiver, de facto só com vias paralelas à estrada. Fosse eu governo e todos os concursos para a construção de estradas incluiriam uma paralela só para bicicletas (já se vê em espanha) e o ISP dos combustíveis e o IA dos carros de luxo a pagá-las.
Tenho muito + p'ra contar, mas fica p'rá próxima.
Força c'as biclas!

Eduardo J. Esperança
http://evunix.uevora.pt/~eje

Ricardo Sobral disse...

Caro Eduardo,

obrigado pelo comentário e peço desculpa por alguma demora em responder. Em relação a algumas observações que fez, eis o que penso:

O "disparate" de "aconselhar o ciclista a circular no meio da via em qualquer circunstância" não é uma opinião exclusivamente minha nem um acto isolado nas campanhas de promoção do uso da bicicleta. Antes de mais devo dizer que não se trata de aconselhar a circular no meio da via "em qualquer circunstância", a avaliação de segurança do ciclista deve ser feita a todo o instante e é por essa razão que seria igualmente um disparate defender que o ciclista deva circular sempre o mais próximo das bermas. Sobre não estar sozinho nisto, o padrão britânico de ensino de condução de bicicleta (de que falei na entrevista) é um óptimo exemplo instituído - um ensino totalmente voltado para o uso da bicicleta em vias partilhadas com o trânsito motorizado (logo não segregadas ao estilo das ciclovias e afins) ensinando a lidar com todas as situações de conflito daí decorrentes. Sobre o padrão britânico aconselho a seguinte leitura: http://www.cyclecraft.co.uk/
Mas falando do contexto português, nomeadamente o lisboeta, o "disparate" de aconselhar o ciclista a circular no meio da via tem uma base empírica que a sustenta. A tese em Antropologia que fiz, sobre a utilização da bicicleta como meio de transporte em Lisboa, permitiu-me chegar ao contacto e entrevistar vários utilizadores diários da bicicleta nesta cidade. Dos resultados sobressaiu que os mais experientes chegaram à conclusão, por experiência própria, de que é mais seguro circular afastado da berma por todas as razões que referi na entrevista e mais algumas. Porém, mais uma vez, a avaliação de segurança é feita a cada instante e com isso o ciclista dá-se o direito de usar todo o espaço compreendido entre a berma e o eixo da via mais à direita. Este é também um conselho dado pelos ciclistas mais experientes aos que se estão a iniciar. Se acompanha este blogue, em breve estará disponível um paper da minha tese.
Uma nota final sobre este ponto. A especificidade do contexto português, quando analisado por ciclistas ingleses (caso que conheço melhor), surge como uma vantagem porque ao contrário do que se passa no Reino Unido, onde o conflito entre automobilistas e ciclistas é alegadamente maior, em Portugal os primeiros têm em geral comportamentos mais comedidos e respeitosos com os segundos. Isto foi-me dito por ciclistas ingleses que já viajaram em Portugal e também em Lisboa.

Como antropólogo sei que "o espaço público é ao mesmo tempo um lugar de extensão do ego (...)" e também sei da desvantagem da bicicleta na relação de forças face ao automóvel. Mas como ciclista sei também o que é a prática e como funciona, na prática, esta relação de forças. A comparação com o Farwest americano parece-me descabida porque parte do princípio que os automobilistas querem fazer mal aos ciclistas. Não creio que assim seja e, mais do que isso, não acho que se deva partir desse princípio, até por razões de segurança que estão relacionadas com a confiança do ciclista e do seu lugar na estrada.
Sobre as mortes entre os profissionais do ciclismo não tenho nada a dizer porque não foi o meu universo de estudo (voltado antes para o "vehicular cycling") e porque se trata de outro modo de usar a bicicleta nas estradas, sem dúvida mais perigoso. Aqui ficaria bem uma comparação com os treinos de Fórmula 1 ou ralis na via pública, uma vez que os praticantes levam a sua condução ao extremo pondo não só a sua segurança em causa como a dos demais.

Um aparte. A obrigatoriedade do uso do braço lateral de plástico com reflector é obrigatória nalguns países até aos 14 anos, ou idades próximas disso.

Falando agora das "culturas de base", que me parece ser o ponto a partir do qual divergimos, e tendo em conta tudo o que escrevi acima.
Havendo esse conflito nas estradas, não me parece que devam ser os governos os primeiros a ser sensibilizados. Em muitas questões, como sabemos, eles são normalmente os últimos a adaptar-se. Assim, do meu ponto de vista, a melhor forma do ciclista se defender é participar nessa "guerra" do espaço público. Não existe mudança sem conflito e como tal não devemos esperar que a cultura de base mude se não houver quem se arrisque, quem lute pelo seu espaço e crie as condições para que mais pessoas se arrisquem, estabelecendo uma nova ordem. Não quero com isto dizer, obviamente, que me agrada a ideia de ver ciclistas mártires estropiados nas estradas.

Um abraço,
Ricardo Sobral

Anónimo disse...

Ouvi agora a tua entrevista e gostei!

Desculpa não mencionar o que concordo (alongaria-me imenso), mas vou só partilhar os meus reparos:

Não gostei do "passar vermelhos, pq n?" Percebo o teu argumento, e já o fiz mtas vezes. Mas daí a promover esse comportamento é dar argumentos para quem pensa nos ciclistas como irresponsáveis.
Não gosto de ver automobilistas a fazer asneiras, e quanto a nós próprios penso que é bom não as fazer, ou não as mostrar quando raramente as "temos" que fazer ;)

Foi também pena referir a Massa Crítica como um evento apenas para ciclistas.

Mas, tudo o mais foi muito bom. Parabéns!