Uma vez que eu faço questão de publicitar as vantagens da intermodalidade bicicleta + transportes públicos e de divulgar as condições dos vários operadores em Lisboa, empenhei-me a escrever à Carris para obter um esclarecimento sobre as condições para o transporte de bicicletas dobráveis, algo que não está especificado pela empresa. Aqui segue um resumo da história e-mail por e-mail. Se não quiser ler tudo, salte a parte das citações e leia o resumo das conclusões no final.
A queixosa:
«Decidi comprar uma bicicleta pequena, que pesasse pouco, que se dobrasse, assim bem versátil. E consegui uma com apenas 10kg, roda 14, que se dobra toda e tem a possibilidade de ficar bastante pequena. Desta forma, poderia transporta-la nos transportes e ir até eles e até ao trabalho. Trabalho perto do Palácio Nacional da Ajuda e quer saindo na estação de Belém, quer saindo em Algés todos os caminhos são a subir... daí que me convém apanhar um autocarro e fazer um pouco de caminho de bicicleta.
Mas acontece que não conheço muito e gostava que me informassem sobre o transporte deste tipo de objectos nos autocarros públicos da carris. Dizem-me: " bicicletas aqui só aos fins de semana"; "não pode trazer aqui a bicicleta, se aparecer o fiscal a senhora é responsável"; "não pode trazer isso aqui, já viu aquilo ali? (e aponta para um letreiro que se encontrava por cima do lugar do motorista, que dizia que não era permitido transportar bagagens grandes). Quanto mais uma bicicleta!". Comentários deste género deixam-me bastante triste...e desanimada... Mas que hei-de eu fazer?
Não há coerência nos vários transportes. Na CP já não há qualquer tipo de problema e na CARRIS uns motoristas reclamam e outros não dizem nada.
(...) Quer dizer compro eu uma bicicleta bem pequenina para poder andar com ela nos transportes e vou ter que a arrumar como as outras?
Qual é a lei exactamente para o transporte destes veiculos nos transportes públicos?»
O pedido de esclarecimento à Carris:
«acabo de receber uma reclamação de uma cliente da Carris que teve alguns problemas com o transporte da sua bicicleta dobrável nos vossos autocarros. Como saberão, as bicicletas dobráveis, quando dobradas, ocupam o espaço equivalente a uma pequena mala de mão. No entanto, segundo a queixosa, as regras não são claras e estão sujeitas à interpretação dos condutores, permitindo-lhe o acesso nalgumas vezes e vedando-o noutras.
Deste modo, venho assim pedir o esclarecimento das regras da Carris para o transporte de bicicletas dobradas nos seus autocarros de forma a facilitar a escolha aos utentes que queiram fazer viagens partilhadas de bicicleta+autocarro, usufruindo das vantagens da intermodalidade nos transportes.
A resposta da Carris (pelo provedor do cliente):
«Encontra-se legalmente estabelecido (art.º 167º do Regulamento dos Transportes em Automóveis) que no transporte urbano a bagagem deve ser transportada nos lugares adequados e desde que, pelas suas dimensões e natureza, não incomode ou prejudique os outros passageiros ou danifique os veículos.
Assim, o transporte de bagagem de grande dimensão (do tipo volumes ou malas de viagem) não é compatível com a tipologia dos veículos urbanos da Carris e é susceptível de causar prejuízo ou incómodo aos restantes passageiros, nomeadamente no caso de veículos com ocupação significativa.
Assim, nos veículos da Carris apenas deverá ser transportada “bagagem de dimensão reduzida”, a qual deverá ser colocada preferencialmente nos locais a tal destinados (nos autocarros, normalmente sobre a roda da frente esquerda).
A título de referência, deve entender-se por “bagagem de dimensão reduzida” a que tiver as dimensões máximas de 55 x 40 x 20 cm.
A aplicação desta restrição de acesso é particularmente importante junto aos terminais de transporte pesado, particularmente no Aeroporto. Neste local, existem carreiras especialmente vocacionadas para o transporte de passageiros com bagagem: AeroBus (carreira 91) e AeroShuttle (carreira 96).
Esta restrição deverá ser aplicada com a conveniente flexibilidade, nomeadamente em caso de reduzida ocupação dos veículos em que não se verifique risco ou incómodo para os restantes passageiros.
Esta situação é decorrente de inúmeras reclamações de clientes que chegam por vezes a não ter possibilidades de ocupar lugares (bancos), ocupados com bagagem e pondo em causa a segurança de outros passageiros.
Relativamente ao transporte, como bagagem, de uma bicicleta dobrável será necessário perceber para além das características dimensionais que, segundo a informação, não ultrapassam as dimensões de uma pequena mala de mão, se existem outras características que possam pôr em causa a segurança e conforto dos restantes passageiros, tais como partes metálicas salientes.
Sendo objectivo dos condicionamentos ao transporte de bagagem a salvaguarda da segurança e conforto da generalidade dos passageiros, estão transmitidas aos nossos Tripulantes instruções no sentido de aplicarem estes condicionamentos com flexibilidade tendo em consideração a ocupação dos veículos.»
Já leu tudo? Se não, eu resumo: a Carris tem definidas as medidas máximas da bagagem que se pode transportar em qualquer situação (55 x 40 x 20 cm). Para todas as bagagens (e bicicletas) que ultrapassem estas medidas, a Carris deu instruções aos motoristas para serem flexíveis sempre que a ocupação do autocarro seja reduzida.O problema para os ciclistas ávidos de intermodalidade com bicicletas dobráveis é que a excepção não faz a regra e não se pode contar com a benesse dos motoristas e da empresa numa base diária e muito menos num percurso casa-trabalho que exige horários apertados e pouca margem para "eventualidades".
Se eu fosse júri de um prémio de mobilidade em bicicleta para empresas de transporte teria este factor em conta para atribuir ou não um prémio (ei, espera lá...eu posso criar o meu próprio prémio mobilidade! E oferecer a minha simpatia e reconhecimento em troca). Não basta parecer que se é amigo das bicicletas; abrir uma excepção para as bicicletas dobráveis é sinónimo de ausência de uma política empresarial dedicada ao seu transporte.
Penso que todos os ciclistas compreendem as razões alegadas pela Carris no que respeita à segurança e falta de espaço e todos devemos concordar que a primazia deve ser dada ao transporte de passageiros e não de bagagens - primeiro as pessoas, depois os seus bens. No entanto, esta "flexibilidade" que pode parecer simpática (e é, mas não passa disso mesmo) cria uma espécie de limbo no qual os utentes não podem confiar, ninguém pode planear uma viagem com rigor em função dessa flexibilidade.
A solução, caso a Carris queira ser mais do que uma "entidade simpática" para os utilizadores de bicicleta (dobrável e não só), implicará criar regras claras e menos sujeitas às vicissitudes do dia-a-dia. E isso dá trabalho, ao contrário de abrir excepções quando os autocarros estão vazios, que é fácil. Já fizemos referência no Bicicleta na Cidade a uma solução que a Carris poderá adoptar, que facilita o transporte de bicicletas a qualquer hora - a instalação de suportes exteriores, como estes das imagens abaixo.
6 comentários:
Seria curioso ver se uma bicicleta dobrável (mesmo não estando dobrada) se adaptaria fácilmente a esse suporte. O design e dimensão do quadro por exemplo, não sei se teria influência no eficaz transporte nos suportes mostrados nas fotos.
Olá
Aqui em Coimbra apenas tive um pequeno «problema» quando ia a entrar num dos mini autocarros(com apenas cerca de 15 lugares sentados e nenhum de pé) pois o condutor disse que eu não podia estar a ocupar a passagem e que aquele transporte não era para bicicletas... e eu argumentei que ele nada diria se eu entrasse com uma mala de viagem tipo trolei com rodinhas...note-se que a mala ocupa mais ou menos o mesmo espaço de uma uma bicicleta dobrada ...portanto entrei e sentei-me, tanto mais que o mini autocarro ia mais de meio vazio...;)
António, essa é uma questão muito pertinente. Colocam-se aqui dois problemas: o transporte das bicicletas dobráveis e o transporte das restantes.
Na verdade fui buscar estas fotos para lembrar que, se o problema é transportar as bicicletas do lado de dentro do autocarro, então porque não fazê-lo do lado de fora?
Além disso, se a Carris tivesse estes suportes, a ciclista que escreveu o mail a queixar-se nunca teria comprado uma bicicleta dobrável a pensar (enganada) que poderia transportá-la no autocarro.
Abraço.
Isto lembra-me das vezes que andei com a casa às costas a fazer viagens de autocarro estando este algumas vezes cheio inclusivé com carrinhos de bebé. Nunca tive problemas antes pelo contrário as pessoas ajudavam e interessavam-se em saber o porquê de tanta coisa. O mesmo aconteceu quando transportei uma cómoda (desmontada claro), numa das estações principais nem todos entraram, objectos grandes: uma cómoda e dois carrinhos de bebé. Claro que não estou a falar de Lisboa... que agora até fico a saber que quando tiver uma mala gigante para transportar se quiser ir de autocarro para os Olivais tenho de apanhar o Shuttle que ainda me deixa mais longe do que indo logo a pé do aeroporto.
Pode ser que quando os autocarros da Dinamarca não tenham mais uso possam passar a dar umas voltas em Lisboa (:
De notar que nos autocarros da Dinamarca não é permitido levar a bicicleta mas de certo que as desdobráveis nunca terão problemas, aqui também não há grande problema com muitas inclinações acentuadas como em Lisboa ;)
Espero que a Carris mude a sua política com as bicicletas desdobráveis.
Boas pedaladas.
Utilizo a minha bicicleta dobrável e o autocarro 56 quase diariamente desde há um ano para ir para o trabalho (portanto horas de ponta), e nunca tive problemas! Alguns condutores ficam até muito interessados. Por isso, força, usem a dobrinhas na Carris!
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