Numa avenida larga, a vantagem de concentrar os
ciclistas num único canal está em aumentar a sensação de fluxo constante de
bicicletas, que de outro modo estariam dispersas pelos 60 metros que separam as
fachadas nascente e poente da Avenida da República.
Caso
restassem dúvidas da existência de ciclistas a circular em dias úteis e a horas
de ponta na cidade de Lisboa, argumento que foi ensaiado recentemente por um partido político, a nova ciclovia da Avenida da República veio ajudar a
dissipá-las. É consensual entre especialistas em mobilidade suave a ideia de
que a construção de vias para bicicletas contribui decisivamente para o aumento
do número de ciclistas, o que é corroborado pelos números registados antes e
depois de obras feitas em várias cidades do mundo.
No
entanto, esse aumento dependerá ainda de factores complementares como são a
continuidade e interligação da ciclovia, a qualidade da construção da mesma e,
por fim mas não em último, a mais-valia que a nova via traz às alternativas
previamente existentes. É sobre este último ponto que a seguir se discorre,
pois é esse um dos sucessos já revelados da nova ciclovia da República.
A
Câmara Municipal de Lisboa (CML) tem optado quase exclusivamente pela
construção de um tipo de ciclovia, a chamada bi-direccional, que concentra no
mesmo canal os dois sentidos de trânsito. O projecto inicial da CML para a
Avenida da República incluía, na verdade, duas ciclovias uni-direccionais
situadas juntos às antigas vias laterais da avenida, o que seria uma novidade.
No entanto, a pressão dos moradores para que se mantivessem lugares de estacionamento automóvel, expressa em consulta pública, levou à revisão do
projecto e à eliminação da ciclovia nascente, sentido sul-norte, concentrando
os dois sentidos na ciclovia poente.
Esta
opção poderá ter sido a melhor resposta às críticas que se têm ouvido sobre a
baixa utilização das ciclovias ou o reduzido número de ciclistas que, alega-se,
não justifica o investimento feito. É justamente o contrário que acontece – se
as constróis, eles aparecem.
Criou-se a ciclovia, foram (quase) todos
para lá.
A
intervenção na avenida incluiu também a reconversão e alargamento dos passeios
e a eliminação da continuidade das vias laterais, onde antes circulava a
maioria dos ciclistas juntamente com o trânsito automóvel. Ao fazê-lo, os
ciclistas deixaram de poder contar com o espaço a que recorriam antes da obra e
viram-se obrigados a circular na nova ciclovia para atravessar a totalidade da
avenida, sem drásticas interrupções na via.
Assim,
tanto do lado nascente como poente, a ciclovia tornou-se “forçosamente” o canal
mais interessante para os ciclistas, uma vez que as alternativas não são tão
confortáveis. Além de eliminada a continuidade das vias laterais, estas estão
agora menos largas e não permitem ultrapassagens carro-bicicleta com uma
distância segura. O sucesso da nova ciclovia depende em parte deste factor –
eliminar as redundâncias tornando as alternativas significativamente menos
apelativas para os ciclistas.
Antes
desta obra, as avenidas que ladeiam paralelamente a da República, a 5 de
Outubro e a Defensores de Chaves, poderiam até ser boas alternativas ao eixo
central nalguns percursos e para alguns ciclistas. Com a alteração dos padrões
de conforto agora introduzidos na Avenida da República, é expectável que esta
atraia algum do tráfego ciclável das avenidas adjacentes.
Tudo
somado, são muitas as bicicletas que já se contam na via inaugurada há apenas
um mês.
A percepção é boa. E os números?
Esta
semana, na quarta-feira dia 22 de Fevereiro, foi feita uma contagem e
recolhidas imagens entre as 8h30 e as 10h30 da manhã no cruzamento das
ciclovias da Avenida Duque d’Avila e Avenida da República – provavelmente o
primeiro cruzamento relevante deste tipo de vias em Lisboa. Nessas duas horas
foram contados 174 ciclistas, entre homens e mulheres.
No vídeo publicado é perceptível um maior número de ciclistas a circular na Avenida da República do que na Duque d’Ávila, sobretudo no sentido norte-sul, o que é coerente com o movimento periferia-centro que ocorre no período de ponta matinal. Isto significa, como aliás as imagens o ilustram, que se trata na sua grande maioria de ciclistas em rota para o trabalho e não em lazer. As bicicletas que se vêem são variadas, entre citadinas e modelos mais desportivos. Há ainda dois skaters, um monociclo eléctrico e alguns pais com crianças.
Entre
as 8h30 e as 9h30 foram contados 96 ciclistas, lê-se na descrição do vídeo, e
os restantes 78 no período das 9h30 às 10h30. Não seria necessário contá-los
para constatar que se vêem mais bicicletas agora a passar na Avenida da
República, talvez fruto dessa maior concentração de ciclistas que antes
circulavam dispersos pelas antigas laterais e avenidas contíguas. Mas contar
ciclistas é fundamental e deve ser uma prioridade de todos os interessados em
promover a mobilidade em bicicleta.
A
CML tem responsabilidades e poderes acrescidos para poder encetar um programa
de contagens pelas ruas e ciclovias da cidade e será actualmente o órgão mais
interessado em mostrar os resultados (positivos, é certo) da sua obra. Esses dados devem
ser públicos e serão, seguramente, a melhor resposta às críticas pouco
fundamentadas ao investimento na rede de ciclovias que se têm feito ouvir.
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